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A TI brasileira vive um paradoxo de alta inovação e baixa maturidade

Apesar do maior investimento em tecnologia da história, a TI corporativa brasileira enfrenta uma lacuna crescente entre gasto e valor entregue. O hype da IA Generativa, a dívida técnica da nuvem e o efeito platô da cibersegurança desafiam CIOs a sanear ambientes e buscar maturidade real.

Em 2025, o cenário de tecnologia da informação (TI) no Brasil parece reluzente à primeira vista. Fintechs, varejistas e hospitais anunciam implementações de inteligência artificial, migrações massivas para a nuvem e projetos de transformação digital com cifras bilionárias. A 36ª edição da Pesquisa do Uso de TI do FGVcia revela que o Índice G — o gasto total em TI como percentual do faturamento líquido das empresas — atingiu 10% em 2024, com tendência de ultrapassar 11% nos próximos anos. Trata-se do maior volume de investimento já registrado no país, com um crescimento médio anual de 6% ao longo de 36 anos.

No entanto, ao cruzar dados de investimento com a percepção de retorno sobre investimento (ROI), emerge um paradoxo inquietante: o dinheiro investido em TI cresce em ritmo acelerado, mas o valor de negócio efetivamente gerado não acompanha essa curva. Muitas empresas estão “comprando inovação”, sem necessariamente “se tornarem inovadoras”. O custo anual por usuário (CAPU) saltou para R$ 60.000 em 2024, com projeção de chegar a R$ 71.000 em poucos anos, mas a transformação estratégica e os ganhos de produtividade permanecem aquém das expectativas. Barreiras culturais, desafios de gestão de mudanças e uma digitalização incompleta dos negócios criam um “falso brilho” da inovação, onde o investimento não se traduz automaticamente em valor real.

Esse cenário exige uma análise crítica: por que a TI brasileira, mesmo com investimentos recordes, ainda patina na maturidade? E o que os dados mais recentes revelam sobre as causas desse descompasso?

A ressaca da IA generativa: o fim da experimentação, o início da cobrança

O ano de 2024 ficou marcado pelo “hype” da inteligência artificial generativa (IA Generativa) no Brasil. Empresas de todos os setores correram para implementar soluções de IA, impulsionadas por promessas de automação, produtividade e vantagem competitiva. A pesquisa FGVcia 2025 mostra que 80% das empresas já utilizam IA Generativa, um salto notável em relação a anos anteriores.

Entretanto, há um detalhe crucial: 75% dessas empresas admitem que o uso ainda é “pouco”. O entusiasmo inicial deu lugar a uma “ressaca” de projetos experimentais, muitos dos quais não passaram da fase de Prova de Conceito (PoC). O dado mais revelador é a dificuldade quase unânime em medir o ROI dessas iniciativas. Segundo a pesquisa, “calcular o ROI da IA Generativa é tarefa difícil e até impossível”. Isso sugere que, apesar da adoção ampla, o valor de negócio permanece nebuloso.

Qualidade do gasto: infraestrutura própria ou “prompt ready-made”?

A análise da qualidade do gasto em IA revela um cenário de maturidade desigual. As ferramentas mais utilizadas são o Microsoft Copilot (40%), OpenAI ChatGPT (32%) e Google Gemini (20%). Apenas 8% das empresas usam outras soluções. O domínio de ferramentas prontas de mercado indica que poucas organizações estão investindo em infraestrutura robusta ou treinamento de modelos próprios, sinalizando baixa maturidade.

Além disso, a ferramenta mais usada para inteligência analítica ainda é o Excel, seguida por bancos de dados tradicionais. Isso revela que, apesar dos investimentos em IA, a base analítica das empresas continua ancorada em tecnologias convencionais, limitando o potencial de integração e geração de valor.

Projetos descontinuados: o custo do hype

Embora a pesquisa não traga um percentual exato de projetos de IA abandonados, a dificuldade em mensurar resultados indica que muitos estão estagnados ou foram descontinuados. O “Hype Cycle for Emerging Technologies” do Gartner já posicionava a IA Generativa no pico das expectativas infladas, sugerindo que o “vale da desilusão” seria inevitável.

A falta de talentos especializados é outro gargalo crítico. Segundo especialistas do setor, “a escassez de profissionais capacitados em IA é o principal entrave para sair da experimentação e alcançar escala real”. Empresas que não investem em governança de dados e capacitação tendem a perpetuar o ciclo de projetos superficiais.

Métrica do sucesso: satisfação do usuário ou geração de valor?

A pesquisa FGVcia é clara: a principal métrica de sucesso para projetos de IA ainda é qualitativa, como satisfação do usuário ou aderência a tendências, e não quantitativa, como redução de custos ou geração de receita. Isso evidencia uma maturidade incipiente. “Medir o valor efetivo da IA Generativa ainda é um desafio”, afirma o relatório. A experimentação persiste, mas a cobrança por resultados concretos só tende a aumentar em 2025.

Dívida técnica em nuvem: o legado da migração acelerada

A narrativa dominante sobre a jornada para a nuvem costuma exaltar ganhos de flexibilidade, escalabilidade e inovação. No entanto, os dados de 2025 revelam uma face menos glamourosa: a “dívida técnica em nuvem” acumulada por migrações apressadas, especialmente via estratégias de “lift-and-shift”, sem reengenharia dos processos ou da arquitetura das aplicações.

Hoje, 52% do processamento empresarial já ocorre em nuvem, chegando a 56% nas grandes empresas (FGVcia, 2025). A nuvem se consolidou como plataforma padrão para tecnologias emergentes, mas o foco do CIO em 2025 já não é mais migrar — e sim sanear o ambiente.

Custos ocultos e o desafio do FinOps

A pesquisa aponta para a existência de “custos escondidos” com TI, que se intensificam em ambientes descentralizados e distribuídos. Muitos desses custos são alocados diretamente nas áreas de negócio, dificultando o controle centralizado e a otimização. O fenômeno do FinOps — a disciplina de gestão financeira da nuvem — ganha relevância justamente porque o custo inicial da nuvem frequentemente foge ao controle, exigindo consultorias especializadas para otimização.

O Índice G, que mede o gasto total em TI, segue em ascensão, mesmo com a promessa de redução de custos unitários. A forma de contabilização de despesas em TI permanece controversa, e a ausência de padronização dificulta a comparação entre empresas.

Repatriação de workloads: mito ou tendência?

Apesar de discussões sobre repatriação de workloads da nuvem pública para ambientes privados por questões de custo ou segurança, a pesquisa não identifica um movimento expressivo nesse sentido. A tendência dominante ainda é de aumento da adoção da nuvem, embora CIOs estejam mais atentos à necessidade de reavaliar workloads e otimizar gastos.

Multicloud: estratégia ou acidente?

O modelo multicloud, definido como a utilização de múltiplos provedores simultaneamente, é visto como estratégia para evitar dependência e aumentar resiliência. No entanto, a pesquisa não diferencia claramente entre adoção estratégica e acidental, como a que surge de fusões, aquisições ou shadow IT. O resultado é um ambiente potencialmente caótico, com desafios sérios de governança e segurança.

A falta de talentos especializados e a complexidade da governança em ambientes multicloud são barreiras adicionais. Novas regulamentações, como as exigidas pela SEC nos EUA, reforçam a necessidade de transparência e supervisão do conselho, elevando o nível de exigência para os líderes de TI.

Cibersegurança: o efeito platô do investimento em ferramentas

O aumento dos investimentos em cibersegurança é uma tendência consolidada. O Gartner projeta um crescimento de 14% nos gastos globais para 2025. No Brasil, a pesquisa FGVcia confirma a elevação contínua dos budgets de segurança. Entretanto, o “efeito platô” já é perceptível: adicionar mais ferramentas não resulta em ganhos proporcionais de proteção.

Correlação inversa: tecnologia sobe, incidentes persistem

Apesar do arsenal tecnológico crescente, o número de incidentes bem-sucedidos via engenharia social, como phishing, permanece elevado. A pesquisa destaca que “a tecnologia por si só é insuficiente” para conter ameaças, especialmente quando faltam talentos especializados e a cultura organizacional não acompanha a evolução dos riscos.

Casos recentes de grandes varejistas e instituições financeiras brasileiras mostram que ataques bem-sucedidos continuam a ocorrer, mesmo em ambientes com múltiplas camadas de proteção. O elo mais fraco segue sendo o fator humano, e a fronteira da segurança desloca-se cada vez mais para processos e pessoas.

O papel do CISO: de TI para o negócio

Embora a pesquisa não detalhe a linha de reporte do Chief Information Security Officer (CISO), evidencia-se uma mudança de percepção: segurança deixa de ser um problema apenas de TI e passa a ser uma questão estratégica de negócio. Regulamentações internacionais e a pressão por governança elevam o papel do CISO, que deve dialogar diretamente com o conselho e o CEO.

A contratação de seguros cibernéticos, embora não detalhada nas fontes, é uma tendência global. O aumento dessa modalidade indica que empresas começam a aceitar o risco residual, reconhecendo que a mitigação total via tecnologia é inalcançável.

O mandato do CIO para 2026 é ser um saneador de complexidade

A análise dos dados da FGVcia para 2025 deixa claro: o papel do CIO no Brasil está mudando de forma irreversível. Se antes era visto como “provedor de tecnologia” e, mais recentemente, como “agente de transformação digital”, agora assume o mandato de “saneador de complexidade”.

A missão central do CIO passa a ser a redução da dívida técnica, a otimização de ecossistemas inchados de IA e nuvem, e a busca pela maturidade operacional. Isso implica revisar projetos de IA que não saíram da experimentação, sanear ambientes em nuvem marcados por custos ocultos e governança frágil, e reorientar os investimentos em segurança para além das ferramentas, priorizando processos e pessoas.

O desafio é urgente: os investimentos em TI atingiram 10% do faturamento líquido das empresas em 2024, mas o retorno efetivo permanece difícil de mensurar, especialmente em IA. O foco deve migrar da experimentação para a entrega de valor real, com governança robusta, talentos especializados e uma cultura orientada a dados.

Para os CIOs e líderes de TI brasileiros, o recado é claro: não basta comprar inovação — é preciso construir maturidade, sanear a complexidade e entregar resultados tangíveis. O futuro competitivo das empresas dependerá, cada vez mais, da capacidade de extrair valor real dos investimentos feitos hoje.

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