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Brasil em Código 2025: O futuro se desenha na intersecção entre inovação, ética e tecnologia
O evento se concentrou em tópicos como o impacto da inteligência artificial e outras novas tecnologias na melhoria de processos de negócios e atendimento ao cliente.
Em um mundo de transformações aceleradas, o Brasil em Código 2025, o principal evento de inovação da GS1 Brasil, revelou como empresas estão navegando entre disrupções tecnológicas e demandas por transparência. Especialistas discutiram o papel da IA, investimentos em startups e tendências pós-2030, mostrando que o futuro dos negócios depende da capacidade de inovar com propósito e construir confiança em um cenário digital em constante reinvenção.
Além de 2030: Novos paradigmas para os negócios
O cenário de negócios global está passando por uma transformação sem precedentes, impulsionado por fatores como escassez de recursos, mudanças geopolíticas, envelhecimento populacional e avanços tecnológicos exponenciais. Durante sua palestra no Brasil em Código 2025, Jaqueline Weigel, futurista global e especialista em estudos de futuros, apresentou um panorama desafiador: "Como vocês vão manter o seu modelo de negócio se água, energia e matéria-prima não forem mais abundantes ou baratas? Como isso vai afetar o seu negócio nos próximos anos?".
Weigel destacou seis tendências-chave para o varejo entre 2030 e 2035 que já estão tomando forma. A primeira delas é a digitalização total e automação inteligente, que significa "fim de estoque, fim de controle de inventário, integração em tempo real com o fornecedor e códigos de barra evoluindo para identificadores digitais dinâmicos". Em paralelo, o varejo híbrido, físico e digital hiperpersonalizado emerge como resposta às novas expectativas dos consumidores. "Lojas físicas com experiência, testar, interagir, viver a marca. É isso que o novo consumidor quer", afirmou Weigel, destacando a adoção massiva de realidade aumentada e de experiência imersiva no ponto de venda.
A economia circular surge como terceira tendência, tornando-se "obrigatória pela exigência do consumidor". Weigel explicou que isso envolve "produto com passaporte digital, logística com sistemas de reciclagem e cadeia de valor transparente". A inteligência artificial, por sua vez, é apontada como o grande motor do varejo futuro, prevendo demandas, otimizando operações e criando produtos. "Portanto, precificação, talvez em tempo real, robôs de atendimento, design automatizado com produtos com base em dados de consumo", detalhou a especialista.
A quinta tendência aponta para cadeias de suprimento resilientes e descentralizadas, com "produção local conectada globalmente, redesenho de cadeia logística, impressão 3D, manufatura local e monitoramento de risco via dados". Por fim, novas formas de valor e fidelização completam o cenário, onde "o valor não é mais transacional, ele é relacional, ele é ético". Weigel enfatizou que "marcas com propósito, impacto social, transparência radical com todos os produtos" serão as vencedoras neste novo contexto.
Dados apresentados pela futurista revelam o impacto transformador da IA nos negócios. Segundo pesquisa da Winmark em parceria com o Fórum de Dubai, na área de finanças, a inteligência artificial vai reduzir 50% da carga de trabalho, permitindo "relatório em tempo real e tomada de decisão inteligente". Nos recursos humanos, a estimativa é de 35% de carga de trabalho menor, caminhando para 100% de carga de trabalho menor, o que representa "uma mudança completa da área de humanas". No jurídico, a projeção é de 35% de redução da carga de trabalho, com gestão de contratos podendo chegar a 90% com o uso de IA.
Investir para inovar: O ecossistema em movimento
O ecossistema de inovação brasileiro tem mostrado resiliência e potencial, mesmo em um cenário global desafiador. Durante o painel "Investir para Inovar: O Ecossistema em Movimento", especialistas discutiram os fatores que impulsionam a inovação no país e os caminhos para os próximos anos. Leonardo Mezzomo, sócio e diretor de novos negócios da Ventiur, destacou que "serviços financeiros são sim o grande motor da inovação brasileira hoje, o que move os maiores números em quantidade de deals, em volume financeiro".
No entanto, Mezzomo apontou outras áreas com grande potencial: "O agro hoje é uma das nossas principais matrizes, inclusive em balança comercial global. Então, acho que o agro ainda tem um espaço de crescimento muito grande. E a indústria e o varejo também têm as suas necessidades, que muitas vezes não são bem atendidas pelas soluções atuais, e tem um espaço gigantesco para crescimento das startups". Ele ressaltou que "onde existe um grande problema, existe a potencialidade de uma nova solução para resolver esse problema", reforçando que o Brasil, com seus múltiplos desafios, oferece um terreno fértil para inovações.
Francisco Simch, sênior partner na Píer Partners, trouxe uma visão complementar, enfatizando a necessidade de um ambiente favorável e capital disponível. "Para um ambiente de inovação florescer, basicamente a gente precisa de duas pernas nessa equação. Uma delas é empreendedores, então a gente tem que ter fundadores de empresas que tenham capacidade, que consigam resolver dores que existem no mercado", explicou. Simch analisou as fases recentes do ecossistema: "A gente teve um período de 2022, 2023, em que a gente viveu a ressaca da pandemia. Então os juros começaram a aumentar no mundo inteiro. A gente começou a ver investidores sendo mais cautelosos na hora de investir, secou o capital. E agora eu acho que, do ano passado pra cá, a gente está, talvez, em um meio termo entre essas duas fases".
Luiz Carlos Pimentel, investidor anjo e diretor da Silver Angels, compartilhou os critérios que orientam os investimentos em startups. "A primeira coisa é a tese, qual a solução, que problema ela resolve”.
O painel também abordou os desafios na relação entre corporações e startups. Francisco Simch explicou que "na prática, a gente está falando de dois bichos de naturezas bem diferentes, porque de um lado a gente tem o empreendedor, que é o cara que é a mão na massa, ele decide e faz, ele é muito objetivo e pragmático, e esse cara normalmente está acostumado com esse ambiente de captação de recursos, de venture capital. E do outro lado a gente tem, muitas vezes, uma corporação que tem ritos, tem sua governança, que são muito importantes para a existência e para a longevidade do negócio".
Leonardo Mezzomo destacou a evolução das corporações brasileiras nesse contexto: "Eu tenho percebido, nos últimos anos, uma elevação da maturidade das corporates fazendo esse trabalho. Corporate Venture, em termos mais técnicos, de se fazer essa inovação com startups como uma estratégia, é um trabalho que é feito há décadas fora do Brasil. Aqui, algumas poucas mais antigas fazem esse trabalho há mais tempo, mas boa parte das corpes começaram os seus programas de inovação aberta com startups, etc., há menos de cinco anos".
IA na construção da inovação em tempos complexos
A inteligência artificial posiciona-se como eixo central das transformações que exigem constante reinvenção empresarial. Durante o painel dedicado ao tema, especialistas convergiram sobre a necessidade de abordar a IA não como ferramenta isolada, mas como elemento estratégico integrado aos objetivos de negócio. Rodrigo Mielke, da Microsoft, destacou o caráter democrático dessa tecnologia, contrastando-a com soluções setoriais do passado, e enfatizou que sua implementação eficaz requer engajamento humano desde o planejamento.
Para Mielke, o sucesso na adoção de IA depende de processos colaborativos que envolvam múltiplas áreas das empresas. Ele exemplificou com o programa AI Guarantee, da Microsoft, que reúne líderes de negócios, TI e equipes operacionais em sessões estruturadas para definir prioridades através de questionamentos profundos sobre o propósito de cada iniciativa. Essa abordagem, segundo ele, evita que as empresas caiam na armadilha de implementar tecnologias sem objetivos claros, o que levaria inevitavelmente à frustração e ao desperdício de recursos.
Vanderlei Ferreira, da Zebra Technologies, reforçou essa visão ao argumentar que a IA corporativa necessita de um propósito bem definido. Ele alertou que, sem metas específicas alinhadas à estratégia organizacional, as iniciativas de IA tendem a se tornar genéricas e ineficazes. Ferreira destacou que a tecnologia deve servir a objetivos mensuráveis, seja na otimização de processos, na melhoria da experiência do cliente ou na criação de novos modelos de receita, evitando assim a frustração decorrente de expectativas irreais.
A governança de dados emergiu como pilar fundamental para uma IA responsável. Mielke explicou que a criação de estruturas centralizadas para gestão de informações permite não apenas maior qualidade nos dados, mas também controle adequado sobre seu acesso e uso. Ele ressaltou que a responsabilidade na aplicação de IA é inegociável, envolvendo considerações éticas, de privacidade e conformidade regulatória que devem ser incorporadas desde a concepção dos projetos. Essa governança, segundo ele, assegura que os dados estejam disponíveis para as pessoas certas, nas condições adequadas, sustentando decisões mais precisas e éticas.
O debate também abordou o equilíbrio necessário entre automação e valorização das competências humanas. Mielke defendeu que, apesar do avanço da IA, habilidades como pensamento crítico, criatividade e capacidade de engajamento tornar-se-ão ainda mais valiosas. Ele alertou que, como ocorreu com tecnologias anteriores, haverá quem utilize a IA de forma passiva, tratando-a como solução definitiva para todos os problemas. No entanto, o verdadeiro potencial da tecnologia só se realiza quando combinada com julgamento humano qualificado, capaz de questionar, interpretar e aplicar os insights gerados pelas máquinas de forma contextualizada e estratégica.
Autoatendimento no varejo: Tecnologia e cultura
A implementação de soluções de autoatendimento no varejo brasileiro transcende barreiras tecnológicas, exigindo uma transformação cultural profunda nas organizações. Cássio Pedrão, da Toshiba Global Commerce Solutions, destacou durante sua apresentação que o sucesso dessas iniciativas depende de três pilares fundamentais: aceitação pelo consumidor, intuitividade dos sistemas e continuidade operacional. Segundo ele, muitos projetos falham por subestimarem a importância de uma experiência de usuário fluida, resultando em baixa adoção e frustração tanto para clientes quanto para operadores.
Pedrão enfatizou que a solução deve ser naturalmente integrada ao fluxo de compras, exigindo concentração mínima e treinamento adequado. Ele observou que sistemas mal projetados geram resistência, especialmente quando não consideram a diversidade de perfis de consumidores. O executivo ressaltou que o autoatendimento não visa substituir o atendimento tradicional, mas complementá-lo, atendendo a diferentes segmentos de clientes com preferências distintas. Essa dualidade exige um equilíbrio delicado na operação, onde ambas as modalidades coexistam de forma harmônica.
A Toshiba tem desenvolvido soluções tecnológicas sofisticadas para enfrentar esses desafios, com destaque para sistemas de inteligência artificial voltados à prevenção de perdas. Essas tecnologias monitoram o ambiente em tempo real, identificando comportamentos suspeitos e acionando protocolos de segurança quando necessário. O sistema MISCAN, por exemplo, utiliza visão computacional para distinguir entre produtos registrados e meramente visualizados, garantindo precisão no controle de estoque sem interromper a experiência de compra.
A integração discreta dessas tecnologias aos pontos de venda existentes representa um avanço significativo. Pedrão explicou que os equipamentos são projetados para se assemelharem a caixas convencionais, com componentes de monitoramento embutidos de forma quase imperceptível. Essa abordagem permite alta disponibilidade e eficiência operacional sem chamar atenção, semelhante ao funcionamento de caixas eletrônicos integrados a redes centralizadas. O resultado é uma solução que combina segurança tecnológica com fluidez na experiência do consumidor, essencial para a adoção em massa do autoatendimento no varejo brasileiro.