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Revolução digital: como a estratégia federal transforma o governo em plataforma de serviços
Os novos projetos de transformação digital do governo brasileiro prometem revolucionar a prestação de serviços públicos, com 25 órgãos federais já comprometidos com planos estruturados e uma estratégia ambiciosa que visa posicionar o país como referência até 2027.
A transformação digital do governo brasileiro atinge um novo patamar em 2025 com a implementação da Estratégia Federal de Governo Digital (EFGD) 2024-2027. Formalizada pelo Decreto nº 12.198, de setembro de 2024, esta iniciativa representa uma evolução significativa na forma como o Estado se relaciona com os cidadãos. A estratégia se estrutura em seis princípios fundamentais, desdobrados em 16 objetivos estratégicos e 93 iniciativas mensuráveis que visam modernizar completamente o setor público no âmbito federal.
A EFGD se diferencia das iniciativas anteriores por sua abrangência e ambição. Além da digitalização de serviços, o plano incorpora valores como inclusão, direitos humanos e sustentabilidade, refletindo uma visão mais integrada e humanizada do governo digital. Entre as ações prioritárias estão a simplificação e automação de processos, a integração entre sistemas e a implementação da Infraestrutura Nacional de Dados, concebida para promover o uso estratégico das informações em posse do governo federal para benefício da sociedade.
Planos de transformação digital: o caminho para a modernização
Um dos pilares fundamentais para a efetiva implementação da Estratégia Federal de Governo Digital são os Planos de Transformação Digital (PTDs) que cada órgão federal deve elaborar e pactuar junto à Secretaria de Governo Digital do Ministério da Gestão e Inovação em Serviços Públicos. Até o início de 2025, 25 órgãos federais já assinaram seus planos, incluindo entidades como a Autoridade Nacional de Proteção de Dados, o Banco Central, o Ministério do Trabalho e Emprego e os Comandos das Forças Armadas.
Estes planos representam um compromisso formal dos órgãos com a transformação digital de seus processos e serviços. De acordo com Cristina Mori, secretária executiva do Ministério da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos, "esses planos são uma oportunidade para a gente revisar como o digital está servindo concretamente à melhoria dos serviços públicos". Além disso, os PTDs são considerados fundamentais para a estruturação da Infraestrutura Nacional de Dados, pois, como explica Mori: "Sem essa pactuação com cada órgão responsável por cadastros, sistemas, os dados que fazem a gestão das políticas públicas, a gente não vai construir isso como uma infraestrutura, de fato, nacional".
A importância da Infraestrutura Nacional de Dados
A Infraestrutura Nacional de Dados (IND) emerge como elemento central da transformação digital governamental brasileira. Caracteriza-se como um conjunto integrado de bases de dados, interfaces de programação (APIs), conceitos, terminologias, metadados, ontologias e protocolos que permitem o compartilhamento seguro e eficiente de informações entre órgãos governamentais e cidadãos. A IND não se limita a aspectos tecnológicos, mas engloba também a governança e os marcos regulatórios necessários para viabilizar o ecossistema de dados públicos.
O principal objetivo desta infraestrutura é promover a interoperabilidade entre os diversos sistemas do governo, eliminando redundâncias e inconsistências nas bases de dados. Com isso, espera-se reduzir a burocracia, simplificar a vida do cidadão e proporcionar maior eficiência na gestão pública. Conforme destacado pela Secretaria de Governo Digital, "a IND será a espinha dorsal do governo digital brasileiro, permitindo que os dados fluam de maneira segura e controlada entre os diferentes órgãos, sempre respeitando a privacidade dos cidadãos e a segurança das informações sensíveis".
Soberania digital e segurança de dados
Um aspecto crucial na estratégia de transformação digital do governo brasileiro é a busca pela soberania digital, especialmente no que diz respeito ao armazenamento e processamento de dados governamentais. Este movimento é evidenciado pelos investimentos na chamada "Nuvem Soberana", uma infraestrutura tecnológica nacional que visa reduzir a dependência de provedores estrangeiros e garantir o controle sobre informações estratégicas para o país.
De acordo com Wilton Itaiguara Gonçalves Mota, diretor de Operações do Serpro (Serviço Federal de Processamento de Dados): "Nossos esforços estão voltados para consolidar uma política de soberania digital que priorize a segurança da informação e a eficiência na gestão pública. A Nuvem Soberana não é apenas um avanço tecnológico, mas um pilar estratégico para o desenvolvimento nacional".
A preocupação com a soberania digital não se restringe ao Brasil, mas reflete uma tendência global. Países como França, Alemanha e China também têm investido significativamente em infraestruturas próprias para reduzir sua dependência de gigantes tecnológicos internacionais. No caso brasileiro, a estratégia envolve não apenas os aspectos tecnológicos, mas também a formação de capital humano especializado e o desenvolvimento de um ecossistema de empresas nacionais de tecnologia.
O impacto da inteligência artificial na administração pública
A inteligência artificial (IA) representa um dos principais motores da transformação digital governamental, com potencial para reformular completamente a forma como os serviços públicos são concebidos e entregues. Segundo previsões do Gartner para 2025 e os próximos anos, estamos entrando em uma era onde a IA generativa está evoluindo para sistemas mais autônomos e capazes de tomar decisões, o que terá profundas implicações para o setor público.
Daryl Plummer, Vice-Presidente do Gartner, destaca que "a IA está evoluindo conforme avança o uso dessa tecnologia. Antes de chegarmos ao ponto em que os humanos não consigam mais acompanhar, precisamos abraçar o quanto a IA pode nos aprimorar".
Entre as tendências identificadas pela consultoria está a Agentic AI, que desenvolve sistemas capazes de planejar e tomar ações autônomas para atingir objetivos definidos pelos usuários. O Gartner projeta que, até 2028, pelo menos 15% das decisões diárias de trabalho serão tomadas autonomamente por meio dessa tecnologia. No contexto governamental brasileiro, isso poderia significar desde a automatização de processos burocráticos até sistemas mais sofisticados de análise para formulação de políticas públicas baseadas em evidências.
A reestruturação organizacional impulsionada pela tecnologia
A adoção crescente de tecnologias avançadas não está apenas transformando os serviços públicos, mas também reconfigurando a própria estrutura organizacional do governo. Conforme apontado pelo Gartner, até 2026, cerca de 20% das organizações utilizarão a inteligência artificial para remodelar suas estruturas organizacionais, eliminando mais da metade dos cargos atuais de gerência intermediária.
No setor público brasileiro, essa transformação já começa a ser observada em alguns órgãos pioneiros que estão redesenhando seus organogramas e fluxos de trabalho para se adaptar à nova realidade digital. A automação de tarefas rotineiras e a implementação de ferramentas analíticas avançadas permitem que servidores públicos dediquem mais tempo a atividades que realmente agregam valor, como o atendimento personalizado a cidadãos com necessidades complexas ou o desenvolvimento de soluções inovadoras para desafios públicos persistentes.
Desafios na implementação da estratégia digital
Apesar do otimismo em torno da transformação digital do governo brasileiro, a implementação da estratégia enfrenta desafios significativos que precisam ser adequadamente endereçados. Entre eles, destacam-se a complexidade da integração entre diferentes sistemas legados, a necessidade de mudança cultural nas instituições públicas e as limitações orçamentárias que podem restringir investimentos em tecnologia.
A questão da interoperabilidade entre sistemas de diferentes órgãos e esferas governamentais representa um obstáculo particularmente desafiador. Muitas vezes, bases de dados foram desenvolvidas de forma independente, com diferentes padrões e arquiteturas, tornando sua integração uma tarefa complexa. A Infraestrutura Nacional de Dados busca justamente superar essa fragmentação, mas sua implementação completa exigirá esforços coordenados e investimentos substanciais.
Outro desafio importante é a inclusão digital. Embora o Brasil tenha avançado significativamente na digitalização de serviços públicos, ainda existe uma parcela considerável da população com acesso limitado à internet ou com baixo letramento digital. Garantir que a transformação digital não amplie desigualdades existentes é uma preocupação central da EFGD, que prevê iniciativas específicas para promover a inclusão e acessibilidade digital.
O conceito de governo como plataforma
Um dos paradigmas centrais da Estratégia Federal de Governo Digital é a concepção do "governo como plataforma". Este modelo preconiza que o Estado deve atuar não apenas como provedor direto de serviços, mas também como uma infraestrutura que habilita outros atores –incluindo empresas privadas, organizações da sociedade civil e os próprios cidadãos– a criar soluções inovadoras a partir de dados e serviços governamentais.
Segundo esta visão, o governo disponibiliza interfaces de programação de aplicações (APIs), conjuntos de dados abertos e padrões técnicos que permitem a terceiros desenvolver aplicativos e serviços complementares, ampliando o alcance e a eficácia das políticas públicas. Este ecossistema colaborativo pode acelerar a inovação e potencializar o impacto da transformação digital para além das fronteiras da administração pública.
O Portal Gov.br exemplifica esta abordagem, funcionando como um ponto único de acesso a serviços públicos digitais e como uma plataforma para autenticação segura dos cidadãos em diferentes sistemas governamentais. Ao centralizar a identificação digital e estabelecer padrões tecnológicos comuns, o portal facilita não apenas o acesso direto aos serviços, mas também cria as condições para que novas soluções sejam desenvolvidas a partir dessa infraestrutura básica.
O papel da capacitação e da mudança cultural
A transformação digital do setor público não se limita à implementação de novas tecnologias, mas envolve também uma profunda mudança cultural e organizacional. Para que as iniciativas previstas na EFGD sejam bem-sucedidas, é essencial investir na capacitação dos servidores públicos e promover uma cultura favorável à inovação e ao uso estratégico de dados nas instituições governamentais.
A Escola Nacional de Administração Pública (Enap) tem desempenhado um papel central nesse processo, oferecendo programas de formação específicos sobre governo digital, ciência de dados, inteligência artificial e outras tecnologias emergentes. De acordo com a instituição, "a capacitação dos servidores é um pilar fundamental para a transformação digital do Estado brasileiro, pois sem pessoas preparadas para utilizar as novas ferramentas e metodologias, os investimentos em tecnologia não alcançarão seu potencial transformador".
Além da capacitação técnica, a EFGD também prevê ações para promover uma mudança na mentalidade dos gestores públicos, incentivando a adoção de metodologias ágeis, a experimentação controlada e a tomada de decisões baseada em evidências. Estas práticas, comuns no setor privado, ainda encontram resistência em muitas instituições públicas habituadas a modelos mais tradicionais de gestão.
A governança da transformação digital
Para coordenar os diversos esforços relacionados à transformação digital do governo federal, a EFGD estabelece uma estrutura de governança robusta, centrada no Comitê Interministerial de Transformação Digital (CITDigital). Este comitê, composto por representantes de diferentes ministérios e órgãos estratégicos, é responsável por acompanhar a implementação da estratégia, propor ajustes quando necessário e garantir o alinhamento das iniciativas setoriais com as diretrizes gerais do governo digital.
Além do CITDigital, a governança da transformação digital no governo federal conta com outras instâncias, como a Rede GOV.BR, que reúne representantes de diferentes órgãos para compartilhar experiências e boas práticas, e o Comitê Técnico de Transformação Digital, responsável por aspectos mais operacionais da implementação da estratégia.
Esta estrutura de governança reflete a compreensão de que a transformação digital é um processo complexo e multidimensional, que exige coordenação efetiva entre diferentes atores governamentais. Como destacado pela Secretaria de Governo Digital, "a governança é um fator crítico de sucesso para a transformação digital, pois assegura que os esforços individuais dos órgãos convirjam para uma visão comum de governo digital, maximizando o impacto das iniciativas e evitando duplicações e inconsistências".
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