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ReData e data centers no Brasil: CIOs avaliam incentivos e impactos na estratégia ESG

Governo federal suspende tributos sobre equipamentos de data center até 2026, oferecendo R$ 5,2 bilhões em incentivos fiscais. Em contrapartida, as empresas precisam operar com energia 100% renovável e atingir índice de eficiência hídrica de 0,05 L/KWh. O desafio é equilibrar redução de custos com exigências técnicas de sustentabilidade ainda indefinidas.

O mercado brasileiro de data centers atravessa um momento decisivo. Enquanto o consumo energético do setor triplicará nos próximos cinco anos — saltando de 8,2 TWh em 2024 para 27,3 TWh em 2029 — o governo federal aposta em incentivos fiscais como catalisador para transformar o Brasil em um hub global de infraestrutura digital. A estratégia tem nome e sobrenome: ReData (Regime Especial de Tributação para Serviços de Datacenter), instituído pela Medida Provisória nº 1.318/2025 em setembro. A questão que se coloca para CIOs (diretores de tecnologia da informação) e gestores de TI não é se o programa oferece vantagens competitivas — os números são claros — mas sim se as contrapartidas ambientais rigorosas não criarão riscos de não conformidade futura maiores que os benefícios imediatos.

A matemática dos incentivos fiscais

A MP 1.318/2025 reduz a alíquota efetiva de 52% para aproximadamente 18% ao suspender PIS, Cofins, IPI e tarifas de importação sobre equipamentos usados em operações de data centers. Para operações que importam servidores, sistemas de armazenamento, infraestrutura de rede e equipamentos de refrigeração, a economia pode representar uma redução de até 34 pontos percentuais na carga tributária sobre a aquisição de ativos. Os benefícios fiscais valerão até 31 de dezembro de 2026, período durante o qual o governo espera mobilizar R$ 5,2 bilhões em incentivos financeiros, segundo as informações publicadas no site uol.

A Associação Brasileira de Data Centers (ABDC) projeta que essa janela de oportunidade pode multiplicar em quase quatro vezes a capacidade de processamento nacional: dos atuais 800 megawatts para três gigawatts. Para contextualizar, toda a América Latina possui 1,5 gigawatt de capacidade instalada atualmente. O governo federal trabalha com a expectativa de atrair R$ 2 trilhões em investimentos ao longo de 10 anos, posicionando o Brasil como alternativa competitiva aos Estados Unidos e à Europa para empresas de tecnologia que buscam expansão internacional. Multinacionais já sinalizaram movimentos: a Equinix construiu novo local em São Paulo com investimentos de US$ 110 milhões, a Amazon Web Services (AWS) anunciou US$ 1,8 bilhão até 2034, e o Google Cloud trouxe processadores TPU (Tensor Processing Units) para data centers brasileiros em setembro de 2025.

A atratividade fiscal, no entanto, vem acompanhada de contrapartidas técnicas específicas que não são triviais de implementar.

Contrapartidas ambientais elevam barra técnica

Em troca dos benefícios fiscais, empresas habilitadas ao ReData deverão atender quatro critérios técnicos obrigatórios: energia 100% proveniente de fontes limpas ou renováveis; Índice de Eficiência Hídrica (WUE - Water Usage Effectiveness) igual ou inferior a 0,05 litros por quilowatt-hora aferido anualmente; aplicação de 2% dos investimentos em projetos de pesquisa e desenvolvimento no Brasil; e reserva de 10% da capacidade de processamento para universidades e empresas nacionais. O MDIC abriu em 1º de outubro consulta pública, válida até 26 de outubro, para definir a lista detalhada de equipamentos elegíveis.

O prazo de tramitação da MP adiciona urgência: válida até 16 de novembro de 2025, com possibilidade de prorrogação por mais 60 dias, ela entra em regime de urgência se não for apreciada pelo Congresso até 2 de novembro, suspendendo a tramitação de todas as demais deliberações legislativas. Para empresas que planejam iniciar projetos ainda em 2025 para aproveitar os benefícios em 2026, a janela de planejamento é estreita.

A exigência de WUE de 0,05 L/KWh merece atenção especial: representa padrão 650 vezes mais eficiente que os sistemas de resfriamento evaporativo tradicionais, segundo explicou Igor Marchesini, assessor especial do Ministério da Fazenda, durante evento da Brasscom em junho. Apenas sistemas de resfriamento com circuito fechado atingem esse patamar, e essa tecnologia demanda investimento inicial significativamente superior aos sistemas convencionais de torre de resfriamento. A vantagem regulatória: data centers que consumam menos de 1 litro de água por segundo ficam isentos de processo de outorga pela Agência Nacional de Águas (ANA), acelerando aprovações ambientais.

Essa convergência entre incentivo fiscal e barreira técnica elevada define a estratégia do governo: atrair apenas operações de alta eficiência que possam ser classificadas como "data centers verdes", diferentemente de outras regiões que operam com matriz energética baseada em combustíveis fósseis.

Futurecom 2025 expõe divergências do setor

Os debates realizados na Futurecom 2025, em 30 de setembro, revelaram que nem todos os players veem o ReData da mesma forma. Affonso Nina, presidente da Brasscom, assumiu protagonismo ao confirmar participação da entidade na construção da medida ao longo de dois anos: "A Brasscom esteve envolvida há mais de dois anos e há cerca de um ano entregamos um documento com nossos associados. É importante destacar que foi um trabalho de construção". Nina defendeu que o programa seja tratado de forma técnica e apartidária, destacando que a redução do ICMS — tributo estadual — amplia ainda mais os benefícios fiscais totais.

Marcos Siqueira, da Ascenty (líder em data centers na América Latina com 38 instalações), demonstrou otimismo: para empresa com faturamento baseado em operação de infraestrutura, a redução de custos de aquisição de equipamentos impacta diretamente na margem operacional. Entretanto, Thiago Camargo Lopes, vice-presidente da InvestSP, trouxe perspectiva crítica ao alertar sobre a competição por recursos escassos: "Não é só um problema aqui, com essa possibilidade de data center em ZPE, vai competir por energia com outras atividades que poderiam também ser realizadas lá". A referência é às Zonas de Processamento de Exportação, onde São Paulo foi pioneiro em regime fiscal diferenciado.

Rodolfo Fücher, presidente da ABES (Associação Brasileira das Empresas de Software), relacionou a descentralização geográfica com a capacitação energética: "Hoje, o data center passou a ser uma infraestrutura extremamente importante para você levar competitividade". A fala reflete a preocupação do setor de software nacional com a concentração de capacidade de processamento em poucos estados — atualmente, São Paulo e Rio de Janeiro concentram 70% dos data centers brasileiros. Juliano Stanzani, diretor de política setorial do Ministério das Comunicações, sinalizou que a preocupação do governo vai além de incentivos fiscais: "Uma política nacional de data center tem que cuidar de diversos outros aspectos para além da aparente obviedade da necessidade de um tratamento fiscal diferenciado".

Esse debate público evidencia a tensão entre a urgência de aprovação da MP (prazo até novembro) e a complexidade de criar uma política nacional de data centers que equilibre múltiplos interesses: fiscal, ambiental, industrial, regional e de soberania digital.

O paradoxo da energia renovável

O Brasil possui 87% da matriz energética renovável, vantagem competitiva inquestionável que fortalece o posicionamento do país para atrair investimentos em infraestrutura digital. A exigência de energia 100% renovável no ReData parece, à primeira vista, facilmente atendível. A realidade operacional, no entanto, revela uma complexidade maior. Os quatro megaprojetos de data centers voltados para inteligência artificial em desenvolvimento no país — Rio AI City (1.500 MW), Scala AI City (1.800 MW), e dois projetos da RT-One (400 MW cada) — têm consumo potencial equivalente a 16,4 milhões de residências médias operando simultaneamente em potência máxima.

O projeto mais controverso está em Caucaia, Ceará: o complexo da Casa dos Ventos, com 300 megawatts na primeira fase, consumirá, diariamente, 5.040 MWh, o equivalente ao gasto residencial anual de 2,2 milhões de brasileiros. O Operador Nacional do Sistema (ONS) publicou em janeiro de 2025 um relatório apontando "inviabilidade sistêmica" por riscos de sobrecargas, mas concedeu autorização em maio mediante a implementação de novas linhas de transmissão. A energia virá de parques eólicos da região Nordeste, teoricamente cumprindo o requisito de fonte renovável.

Porém, Adryane Gorayeb, professora do Departamento de Geografia da UFC e criadora do Observatório da Energia Eólica, documenta impactos socioambientais significativos: o bloqueio de acesso a áreas comunitárias, o aterramento de lagoas, o bloqueio de áreas de pesca e acessos à praia, além de ruído sonoro constante. Torres de energia eólica geram ruído e infrassom associados à síndrome da turbina eólica, com sintomas que vão de insônia a dores de cabeça. Uma pesquisa da Fiocruz Pernambuco em parceria com a UPE, publicada em 2023, identificou que 70% dos entrevistados queriam deixar suas casas devido aos incômodos.

Em 2022, mais de 4 mil hectares de caatinga foram desmatados para receber infraestrutura ligada a energias renováveis, segundo relatório do MapBiomas. Esse dado revela o paradoxo central: energia renovável não significa ausência de impactos ambientais ou sociais. Para CIOs avaliando estratégias ESG corporativas, contratar capacidade em data center certificado como "100% renovável" pode não ser o suficiente para blindar reputação empresarial se comunidades locais estão sendo impactadas negativamente pela infraestrutura energética que alimenta esses data centers.

Lacunas regulatórias e riscos de conformidade

O governo federal abriu em 26 de setembro consulta pública para a regulamentação do ReData, com a participação do Ministério do Meio Ambiente, debatendo critérios e indicadores para desenvolvimento sustentável do setor. Manifestações podem ser feitas até 26 de outubro pela plataforma Brasil Participativo. A tomada de subsídios busca coletar contribuições sobre critérios adicionais não previstos na MP: PUE (Power Usage Effectiveness - Efetividade de Uso de Energia) igual ou inferior a 1,5 e neutralidade de carbono nos Escopos 1 e 2.

Dario Durigan, secretário-executivo do Ministério da Fazenda, afirmou que data centers fixados no Brasil deverão ser reconhecidos como "data centers verdes", diferentemente de outros países que usam combustíveis fósseis. A declaração tem forte apelo de marketing institucional, mas o Instituto de Defesa de Consumidores (Idec) emitiu nota crítica apontando que a MP não tem definições claras de termos como "energia limpa" ou "eficiência hídrica", além da ausência de regras sobre extrativismo mineral, destinação de resíduos eletrônicos e responsabilidade no ciclo de vida de equipamentos como processadores (GPUs), baterias e servidores.

Na divulgação da MP, o governo informou que critérios de sustentabilidade "serão definidos em regulamentação nos próximos meses". Essa indefinição cria um risco operacional significativo: empresas que iniciarem projetos em 2025 para capturar benefícios fiscais em 2026 podem descobrir, meses depois, que parâmetros definitivos de PUE, neutralidade de carbono ou gestão de resíduos exigem adaptações custosas em infraestrutura já implantada. A janela de oportunidade fiscal está aberta até dezembro de 2026, mas as exigências técnicas definitivas permanecerão indefinidas até consolidação das consultas públicas.

Para CIOs e gestores de TI, a decisão de acelerar projetos de expansão de capacidade de processamento mediante ReData exige avaliar não apenas a atratividade dos R$ 5,2 bilhões em incentivos, mas também a capacidade organizacional de adaptar infraestrutura digital aos critérios de sustentabilidade que serão estabelecidos nos próximos meses. A convergência entre economia digital e responsabilidade ambiental define agora o posicionamento estratégico das empresas no mercado brasileiro de data centers — e essa convergência está sendo construída em tempo real, com regras ainda não totalmente escritas.

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