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O impacto da tempestade global de Trump no mercado tecnológico brasileiro
A imposição de novas tarifas comerciais pelos EUA provoca transformações profundas nas cadeias globais de fornecimento tecnológico, criando desafios inéditos e oportunidades estratégicas para o setor de TI brasileiro.
O cenário global de comércio internacional foi drasticamente alterado quando, em 2 de abril de 2025, o presidente Donald Trump anunciou sua "Declaração de Independência Econômica" — um pacote de tarifas comerciais sem precedentes sobre importações originárias de 185 países. A medida estabeleceu uma tarifa base de 10% sobre todos os produtos importados pelos Estados Unidos, com sobretaxas punitivas para parceiros comerciais específicos: China (acréscimo de 34%), Taiwan (32%), Japão (24%) e União Europeia (20%). O Brasil, submetido apenas à tarifa mínima de 10%, encontra-se numa posição relativamente privilegiada, especialmente quando comparado aos seus concorrentes asiáticos no setor tecnológico.
A reação dos mercados foi imediata e contundente. Gigantes da tecnologia como Meta, Nvidia, Apple e Amazon registraram quedas de aproximadamente 5-6% em suas ações nas primeiras 24 horas após o anúncio. Analistas da Goldman Sachs elevaram o risco de recessão nos EUA para 35% nos próximos 12 meses — um aumento significativo frente aos 20% estimados anteriormente. Este cenário macroeconômico, embora preocupante globalmente, apresenta nuances particulares para o Brasil, onde o mercado de tecnologia enfrenta o desafio de navegar em um ambiente comercial radicalmente transformado.
A escalada protecionista: um rastro de incertezas
A atual onda tarifária representa o ápice de uma escalada protecionista que começou meses antes. Em fevereiro de 2025, Trump impôs uma tarifa de 25% sobre o aço importado, medida que atingiu diretamente o Brasil, forçando uma renegociação emergencial do sistema de cotas. Em março, seguiu-se a tarifa de 25% sobre automóveis e autopeças, afetando colateralmente diversos componentes tecnológicos incorporados aos veículos modernos. Ainda em março, o Brasil suspendeu sua proposta de taxação das big techs diante da ameaça concreta de retaliação comercial americana.
O calendário de implementação das novas medidas foi célere: a tarifa base de 10% entrou em vigor em 5 de abril, seguida pela aplicação das sobretaxas adicionais em 9 de abril. Esta rápida execução deixou pouco tempo para adaptações estratégicas, criando um ambiente de incerteza que já afeta decisões de investimento e planejamento no setor tecnológico brasileiro.
Anatomia do impacto: como as tarifas redesenham o mercado tecnológico brasileiro
A complexidade do impacto no setor de TI brasileiro deriva de sua natureza multidimensional. Embora alguns componentes estratégicos, como determinadas categorias de semicondutores, estejam isentos das novas tarifas, a maioria dos produtos acabados e diversas partes da cadeia produtiva tecnológica enfrentam agora barreiras elevadas. Esta distinção cria uma dinâmica onde certos elementos da cadeia de valor mantêm seu fluxo comercial enquanto outros sofrem restrições significativas.
Para importadores brasileiros de tecnologia, o efeito imediato é um aumento de 10% nos custos de importação direta dos EUA. Contudo, o impacto indireto pode ser substancialmente maior, considerando que inúmeros produtos tecnológicos incorporam componentes fabricados em países severamente tarifados. Taiwan, centro mundial de produção de semicondutores, enfrenta tarifa de 32%, enquanto a China, onde inúmeros dispositivos eletrônicos são montados, está sujeita à tarifa combinada de 44%. A Apple exemplifica perfeitamente esta vulnerabilidade: mesmo tendo diversificado sua produção para Índia, Vietnã e Malásia como estratégia para reduzir a dependência da China, viu-se afetada em todas estas operações alternativas, o que resultou em uma queda de 9% em suas ações após o anúncio das tarifas.
O efeito cascata: quando tarifas encontram tributos
Um aspecto frequentemente negligenciado nas análises sobre o impacto das tarifas americanas é sua interação com a já complexa estrutura tributária brasileira. O Brasil aplica, em média, uma tarifa ponderada de 5,8% sobre importações americanas, comparada aos 1,3% que os EUA impunham anteriormente sobre produtos brasileiros. Quando consideradas as barreiras não-tarifárias, a disparidade amplia-se significativamente: 86,4% dos produtos que entram no Brasil enfrentam algum tipo de restrição regulatória, comparado a 77% nos EUA.
Este cenário cria um efeito multiplicador para o consumidor final. Um produto tecnológico importado dos EUA agora não apenas incorpora em seu custo a tarifa americana de origem, mas também enfrenta, ao entrar no Brasil, a incidência de II, IPI, PIS/COFINS e ICMS. Especialistas em comércio exterior estimam que, para determinados equipamentos eletrônicos de alto valor agregado, a carga tributária total pode ultrapassar 70% do valor original, amplificando drasticamente o impacto das novas tarifas americanas no mercado brasileiro.
Radiografia setorial: impactos diferenciados no ecossistema de TI brasileiro
O mercado brasileiro de TI, que o IDC projetava crescer 13% em 2025, agora enfrenta um cenário de crescimento potencialmente mais moderado, com impactos variando significativamente entre seus diferentes segmentos:
Hardware e infraestrutura física: Este é o segmento mais diretamente atingido, com aumento imediato nos custos de importação de servidores, equipamentos de rede e componentes diversos. Multinacionais com forte presença no Brasil, como Dell, HPE e Cisco, enfrentam agora a difícil escolha entre aumentar preços ou comprimir suas margens de lucro. Para fabricantes nacionais como Positivo Tecnologia e Multilaser, o cenário é ambivalente: embora enfrentem custos majorados para componentes importados, ganham competitividade relativa contra produtos acabados importados.
Software e computação em nuvem: Este segmento experimenta impacto moderado. Embora o software em si não seja diretamente afetado por tarifas, a infraestrutura necessária para entregar serviços de nuvem enfrentará custos elevados. Amazon Web Services, Microsoft Azure e Google Cloud, que dominam o mercado brasileiro de nuvem, têm capacidade para absorver parcialmente estes custos devido à sua escala global. Empresas brasileiras como TOTVS e Locaweb enfrentarão pressão de curto prazo nos custos de infraestrutura, mas também enxergam oportunidades para oferecer alternativas locais mais competitivas em preço.
Serviços de integração e consultoria: Paradoxalmente, este segmento pode experimentar aumento na demanda. Com empresas buscando otimizar custos e identificar alternativas viáveis no novo cenário tarifário, consultores e integradores brasileiros encontram-se bem posicionados para auxiliar clientes a navegar neste ambiente comercial drasticamente mais complexo.
Reações calculadas: governo e empresas traçam estratégias de adaptação
O governo brasileiro tem adotado uma abordagem pragmática frente às novas tarifas americanas. Em comunicado conjunto, os Ministérios das Relações Exteriores e do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços afirmaram que "o governo brasileiro permanece aberto ao aprofundamento do diálogo estabelecido nas últimas semanas com o governo dos EUA para reverter as medidas anunciadas e mitigar seus efeitos nocivos o mais rapidamente possível".
O Ministro da Fazenda, Fernando Haddad, durante visita oficial a Paris, reforçou que "mantemos parceria com os Estados Unidos e continuamos a buscar negociações com espírito de abertura, visando benefício mútuo em nossos laços bilaterais". Esta postura diplomática reflete a necessidade de equilibrar a defesa dos interesses nacionais sem comprometer o relacionamento estratégico com os EUA.
Para navegar em cenários de incerteza, recomenda-se que o setor privado adote adaptações rápidas e diversificadas. Empresas focadas em software corporativo, por exemplo, poderiam beneficiar-se ao intensificar esforços para nacionalizar componentes estratégicos de sua cadeia de valor. Fabricantes de tecnologia deveriam considerar uma reavaliação completa de sua matriz de fornecedores, explorando ativamente novas parcerias regionais, como na América Latina, para diminuir a dependência de fontes asiáticas. Adicionalmente, para grandes distribuidores de tecnologia, seria prudente avaliar aumentos em estoques estratégicos, como forma de mitigar potenciais volatilidades de curto prazo em preços e disponibilidade de produtos.
Ventos favoráveis em mares turbulentos: oportunidades para o Brasil
Surpreendentemente, analistas apontam que o Brasil pode emergir relativamente fortalecido desta guerra comercial. Iana Ferrao, economista-chefe do BTG Pactual, observa que "com o aumento das tarifas sobre outros países, alguns setores brasileiros ganham uma vantagem competitiva relativa nos mercados globais".
O mercado brasileiro de TI, anteriormente projetado para crescer a uma taxa composta anual de 16% entre 2023 e 2028, atingindo mais de $209 bilhões em 2028, pode ver alguns segmentos específicos se beneficiando do novo cenário. A computação em nuvem, prevista como o segmento mais promissor no Brasil, com crescimento anual esperado de 23%, pode experimentar aceleração na adoção de provedores locais. Serviços gerenciados de TI, oferecendo terceirização do gerenciamento de infraestrutura tecnológica, tendem a crescer à medida que empresas buscam otimizar custos em um ambiente de preços elevados.
O Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (IEDI) identificou 2.863 produtos que se sobrepõem nas carteiras de exportação do Brasil e da China para os EUA, representando $457,2 bilhões em exportações chinesas. Com as novas tarifas, produtos brasileiros podem conquistar fatias de mercado antes dominadas pelos chineses. Rafael Cagnin, economista-chefe do IEDI, ressalva que "não seria uma transição automática. Para integrar cadeias de suprimentos, é necessário atender a condições específicas, como entregar determinado volume de produção a certo preço com regularidade consistente".
Navegando no novo cenário: estratégias para empreendedores brasileiros
As tarifas de Trump representam um ponto de inflexão histórico para o comércio global e para o mercado brasileiro de TI. Os desafios são consideráveis, mas as oportunidades podem ser igualmente significativas para empresas ágeis e estrategicamente orientadas.
Quatro recomendações emergem como essenciais para empresas brasileiras do setor de tecnologia:
- Revisão estratégica de fornecedores: Reavalie sua cadeia completa de suprimentos, identificando componentes originários de países altamente tarifados e explorando alternativas regionais ou locais.
- Nacionalização seletiva: Analise oportunidades para nacionalização de produção ou desenvolvimento de componentes estratégicos, especialmente aqueles com maior impacto de custo no produto final.
- Monitoramento contínuo do ambiente diplomático: Acompanhe de perto as negociações Brasil-EUA e possíveis alterações no cenário tarifário que possam criar janelas de oportunidade ou novas ameaças.
- Revisão de estratégias de precificação e estoque: Desenvolva abordagens mais sofisticadas para gerenciamento de estoques e política de preços, considerando a maior volatilidade e imprevisibilidade do mercado internacional.
Como sintetizou José Augusto de Castro, presidente da Associação Brasileira de Comércio Exterior (AEB), "há desafios consideráveis para estabelecer presença sólida no mercado americano", mas também oportunidades históricas para empresas brasileiras que souberem navegar estrategicamente neste novo cenário global.
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