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Marco Civil da Internet: antecipar decisão gera insegurança jurídica e ameaça direitos fundamentais
Responsabilização automática de plataformas, como sugerido pela AGU, pode abrir caminho para censura privada, exclusão de conteúdos legítimos e prejuízos para milhões de brasileiros, alerta camara-e.net.
A Câmara Brasileira da Economia Digital (camara-e.net), principal representante dos serviços digitais na América Latina, alerta para os riscos de uma eventual antecipação de decisão que altere a interpretação do Marco Civil da Internet, conforme requerido pela Advocacia-Geral da União (AGU) em petição protocolada no Supremo Tribunal Federal (STF).
Caso acolhida, a medida pode resultar em um precedente perigoso, ao permitir que um único ministro antecipe uma mudança significativa no regramento legal vigente em um tema que ainda está em análise pelo plenário da Corte e vem sendo amplamente discutido, inclusive, no âmbito legislativo.
Além de afetar as discussões ainda em andamento, com posicionamentos divergentes por parte dos Ministros, a antecipação de uma decisão monocrática pode gerar impactos concretos negativos para toda a sociedade: desde usuários comuns da internet até pequenos negócios, passando por educadores, comunicadores, prestadores de serviços e produtores de conteúdo.
A antecipação dos efeitos de uma discussão ainda em andamento acerca da constitucionalidade de uma norma mostra-se temerária: ocorreria, da noite para o dia, uma substancial alteração no regime de responsabilidade já estabelecido por lei, impactando a todos os participantes desse ecossistema.
A camara-e.net destaca que a responsabilização direta de plataformas, sem a exigência de decisão judicial, pode levar à adoção de medidas preventivas de exclusão de conteúdos e perfis legítimos, em um ambiente de insegurança jurídica e censura privada, violando princípios constitucionais, como a liberdade de expressão, direito/dever de informação, entre outros dessa mesma categoria.
Documentos técnicos entregues ao STF mostram que, diante da possibilidade de punições automáticas, as empresas tendem a remover conteúdos por precaução — mesmo que não violem leis ou termos de uso, o que não se pode admitir em um Estado Democrático de Direito.
Grupos afetados
Entre os grupos que podem ser prejudicados com este tipo de mudança estão:
- Pequenos comerciantes e microempreendedores que vendem produtos online podem ter seus anúncios removidos após denúncias infundadas de violação de marca, mesmo que suas operações sejam legais, inviabilizando a continuidade do negócio.
- Pessoas que comercializam itens usados podem enfrentar bloqueios de conta por denúncias de contrafação, mesmo quando vendem peças legítimas, dificultando o acesso à economia circular e à renda complementar.
- Professores, criadores de conteúdo e estudantes podem ter vídeos e materiais educacionais removidos após denúncias infundadas, limitando o acesso a conteúdos essenciais para ensino e criatividade.
- Pequenos restaurantes e comércios locais que dependem de aplicativos de entrega podem ter seus cardápios suspensos por denúncias subjetivas, sem respaldo judicial, prejudicando o faturamento e a renda de pequenos negócios e dos entregadores autônomos.
- Proprietários que alugam imóveis por plataformas digitais correm o risco de ter anúncios removidos com base em denúncias não comprovadas ou disputas condominiais, comprometendo uma fonte importante de renda familiar.
- Microempreendedores de moda e revendedores de peças têm contas suspensas por notificações equivocadas de violação de direitos autorais, afetando diretamente sua renda e reputação.
- Canais de análise e debate jurídico, assim como jornalistas e grupos sociais, poderão enfrentar exclusões por críticas legítimas à administração pública, sob acusações genéricas de deslegitimação ou incitação, restringindo o debate democrático.
- Humoristas e influenciadores que produzem sátiras podem ser penalizados e ter contas marcadas como sensíveis, mesmo quando o conteúdo é amparado pela liberdade de expressão.
Além dos prejuízos individuais, a camara-e.net alerta que a responsabilização objetiva demandaria que as plataformas reforcem filtros e ampliem equipes jurídicas para evitar litígios, o que fará com que esses custos venham a ser provavelmente repassados aos usuários ou que o acesso a serviços que hoje são gratuitos seja restringido, prejudicando principalmente pequenos negócios. Outro impacto direto é a imposição às plataformas de um controle prévio do conteúdo, transferindo a responsabilidade de decidir em casos de conflitos de interesses, algo que é de dever do Judiciário.
Multas internacionais e insegurança jurídica no Brasil
Nos memoriais enviados ao STF, a camara-e.net destaca que, em geral, democracias consolidadas, como a Alemanha, só responsabilizam plataformas por conteúdo de terceiros após o recebimento de uma notificação formal ou decisão judicial, além de prever salvaguardas claras. Esse modelo garante previsibilidade jurídica e protege os direitos dos usuários. Na União Europeia, o Digital Services Act (DSA) — conjunto de normas que regula plataformas digitais para garantir mais transparência, segurança e responsabilidade — segue essa mesma lógica, inexistindo uma obrigação de monitoramento direto e/ou uma responsabilização objetiva por conteúdo dos usuários.
No Brasil, o Marco Civil da Internet prevê responsabilização civil, em regra, quando há descumprimento de ordem judicial e, em casos específicos previstos no MCI, há possibilidade de responsabilização após o recebimento de notificação formal. Os votos que estão em análise no STF propõem aumentar essa responsabilização, independentemente de notificação ou decisão judicial para alguns casos, além de ampliar excessivamente as situações em que a responsabilidade emerge após notificação privada.
Para a camara-e.net, o estabelecimento de obrigações amplas e genéricas pela via judicial cria insegurança jurídica e abre espaço para interpretações desproporcionais, o que pode elevar custos de forma imprevisível e desorganizar o ambiente digital no país.
A entidade defende que qualquer mudança com esse grau de impacto seja discutida no Congresso Nacional, com participação técnica, social e do setor produtivo. Somente um debate amplo pode garantir o equilíbrio entre proteção de direitos, segurança jurídica e incentivo à inovação.
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