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LACNIC43: tendências em TI e inovação digital para empresas conectadas no Brasil e América Latina
Principal evento técnico de Internet na América Latina, o LANIC43 reúne mais de 1.500 especialistas em São Paulo para discutindo IPv6, IA e cibersegurança para o futuro da infraestrutura digital regional.
De 5 a 9 de maio de 2025, São Paulo se transformou no principal polo de inovação digital da América Latina com a realização do LACNIC 43. Organizado pelo Registro de Endereços da Internet para a América Latina e o Caribe (LACNIC), em parceria com a ABRINT (Associação Brasileira de Provedores de Internet), o evento — que chega à sua 43ª edição — reúne mais de 1.500 profissionais de TI, operadores de redes, acadêmicos e representantes de grandes empresas do setor.
Com uma programação robusta, o LACNIC 43 oferece transmissão gratuita por streaming, com o objetivo de democratizar o conhecimento e fortalecer a comunidade técnica em toda a região. Os temas abordados vão de tutoriais técnicos e painéis sobre inteligência artificial (IA) a debates sobre IPv6, cibersegurança e sustentabilidade em centros de dados.
Nesta entrevista exclusiva à Computer Weekly Brasil, Ernesto Majó, diretor executivo do LACNIC, e María Gayo, gerente de comunicações, compartilham suas visões sobre os desafios, conquistas e tendências que moldam o futuro da internet na América Latina. Majó destaca a importância da neutralidade da rede e da participação comunitária, enquanto Gayo ressalta o papel da educação técnica e da inclusão digital como pilares para o desenvolvimento sustentável do setor.
CW: O que é o LACNIC e qual sua função principal no ecossistema de internet da América Latina?
María Gayo: O LACNIC é o Registro de Endereços de Internet para América Latina e Caribe. Como registro regional, formamos parte de um ecossistema global. Nossa função principal é assinalar endereços IP em toda a região. Nosso core principal é manter o registro limpo, ter claro onde estão as direções atribuídas. Além disso, trabalhamos intensamente no fortalecimento de capacidades da comunidade técnica, através de workshops, capacitações e eventos.
CW: O que esperar do evento LACNIC43?
María Gayo: Este evento é muito particular porque acredito que teremos mais de 1500 pessoas inscritas. Não necessariamente todos virão, mas esperamos um grupo entre 900 e 1000 pessoas participando presencialmente, e depois virtuais sempre temos 300, 400. Todo o evento tem streaming porque queremos oferecer e o streaming é gratuito. Hoje é o dia dos tutoriais, com taxas de treinamento para diferentes temas: segurança, roteamento, IPv6, uma quantidade de temas específicos da internet.
CW: Qual é a diferença fundamental entre internet e telecomunicações que os profissionais de TI precisam compreender?
Ernesto Majó: São dois mundos que têm vinculação, mas que são totalmente diferentes e funcionam independentemente. Muitas vezes nos países da região se homologa internet com telecomunicações, e isso gera distorções de todo tipo. Internet é espontânea, baseada em acordos individuais, voluntários, enquanto telecomunicações é um espaço regulado governamentalmente, centralizado, baseado nos espaços da UIT. Internet segue se autorregulando, essa é uma diferença fundamental.
CW: Por que é importante entender a diferença entre internet e telecomunicações?
Ernesto Majó: Internet é um animal diferente. E a regulação da internet é feita em âmbitos privados, participativos, qualquer ator pode participar, assim se definem os padrões da internet, assim se definem as políticas da internet, e assim funcionamos, e assim funcionam os negócios. O tema de hoje é o Internet Exchange Point, que é um espaço para acordos de troca de conteúdos e dados entre diferentes redes. E são acordos privados e a maioria deles são sem contrato. A palavra vale. Assim nasceu e assim se mantém.
CW: Como o LACNIC lida com o esgotamento dos endereços IPv4?
María Gayo: Quando estávamos terminando os endereços IPv4, que era a versão anterior dos endereços, agora o que temos são endereços IPv6. IPv4 já se esgotaram, há uma lista de espera de 9 anos na realidade. Todo esse processo de transição, quando restavam poucos endereços, foi decidido pela comunidade por meio das políticas. O mesmo com as transferências, são feitas transferências de IPs entre regiões também. Tudo isso é decidido pela comunidade.
CW: Como funciona o mecanismo quando há denúncias sobre endereços IP?
Ernesto Majó: Se houver uma denúncia concreta, podemos interceder no sentido de dizer que há um uso inadequado, já recebemos denúncias a esse respeito. Mas são mecanismos muito pouco coercitivos. Na realidade, não temos responsabilidade, e o que a comunidade definiu é que não nos envolvemos na rede internamente. O que um associado do LACNIC faz com a rede, temos que garantir que nos informe qual é o uso, mas o conteúdo que depois dessa rede possa estar disseminando é algo que não temos ingerência.
CW: Como o LACNIC aborda questões de segurança cibernética na região?
Ernesto Majó: Temos um grupo de resposta a incidentes de segurança, uma equipe especializada em segurança. Está focado em nossos associados, mas também temos um espaço de coordenação regional chamado LACSEC-CSIRT, que é justamente a reunião de todos os executivos de segurança da região, onde trocam informações, conhecimento sobre incidentes, e também estão em contato para eventualmente, se houver um incidente, poder ajudar.
CW: Como funciona o modelo de governança do LACNIC?
María Gayo: Na realidade, como se atribuem os endereços, isso é definido pela comunidade, tudo é definido pela comunidade. Não é o LACNIC que decide como. É tudo muito da comunidade, por isso estamos sempre próximos. O processo de desenvolvimento de políticas, que Laura comentou na apresentação de novos participantes, é o processo pelo qual cada registro desenvolve suas políticas e também é um espaço que temos no evento, em todos os eventos, chamado fórum público de políticas. É onde a comunidade, ao longo do ano, pode fazer propostas de políticas conforme um consenso.
CW: Qual é a relação do LACNIC com os governos?
Ernesto Majó: Em relação aos governos, temos uma atenção particular. No evento em si, não há uma agenda especial para os governos. Sempre buscamos promover a participação de oficiais de governos, principalmente para que entendam o que é internet. Esta semana temos um workshop chamado internet aberta, segura e confiável, que basicamente é um treinamento para agentes da lei, fiscais e juízes. Para que eles tenham todas as ferramentas e informações necessárias quando tiverem uma situação em sua área de trabalho.
CW: Qual o papel dos eventos do LACNIC na comunidade de internet?
María Gayo: Nossos eventos são itinerantes porque queremos ser uma entidade itinerante. Isso facilita o acesso das pessoas locais. Embora tenhamos participantes de toda a região, quando o evento está em um determinado país, é muito mais fácil para os profissionais locais participarem. Em eventos anteriores estivemos no Paraguai, Panamá, e já estivemos no Brasil várias vezes – Fortaleza, Salvador, São Paulo. Esta é provavelmente nossa sétima visita ao Brasil em 43 eventos.
CW: Quais iniciativas o LACNIC tem para fortalecer a capacitação técnica na região?
María Gayo: Temos muitas opções. Por exemplo, temos um campus virtual, um centro de capacitação virtual onde no ano passado tivemos mais de 8000 estudantes que completaram os cursos. Esses cursos são gratuitos para associados, pagos para os que não são associados. Também temos um fundo que tem 20 anos, 21 anos na realidade, que é o fundo Frida, para promover pesquisa em temas de internet.
CW: Como o LACNIC promove a inclusão na comunidade técnica?
María Gayo: Temos várias iniciativas, por exemplo, temos um programa de embaixadores, que é um grupo de pessoas que desenvolvem temas de conscientização e capacitação a nível regional. Tentamos focar mais em diferentes países onde estamos. Também temos encontros entre academia e operadores, porque temos muita gente da academia que faz projetos e pesquisas aplicadas a nível técnico, que às vezes não são tão alinhados com as necessidades dos operadores, e buscamos esses espaços de sinergia.
CW: Como funciona o Fórum Público de Políticas?
María Gayo: É um espaço aberto onde qualquer pessoa pode propor mudanças nas políticas de distribuição de recursos. As propostas são discutidas abertamente até chegar a um consenso. É um processo contínuo, aberto o ano todo através de listas de discussão. Às vezes, uma proposta passa por várias versões, porque não acabam de, mas acabam formando entre eles, refinando. Não queremos que isso contemple isso, mas sim aquilo.
CW: Qual é a relação entre o LACNIC e outros registros regionais?
María Gayo: Estamos focados em 33 territórios, que é América Latina e Caribe, algumas ilhas do Caribe. Existem 5 registros regionais, temos boas colaboração entre nós. Temos a NRO, que é a organização dos recursos de números, que tem grupos de trabalho entre nós. Estamos coordenados, há transferências, muitas coisas que temos que coordenar. Nosso core principal é o mesmo, independentemente de cada região. Cada região tem seus condimentos, como em qualquer lugar.
CW: Como é composta a estrutura organizacional do LACNIC?
Ernesto Majó: Os associados elegem diretamente os diretores da organização. São 9 diretores, renovam-se 3 por ano, e anualmente há eleições pautadas. Além disso, existem outros 2 corpos estatutários, uma comissão fiscal que tem 3 integrantes também. Os associados elegem esses integrantes, cujo objetivo é fiscalizar os estados contábeis. Eles são baseados nas normas contábeis internacionais, são apresentados no Uruguai, auditados pela KPMG, e estão publicados no site com todos os detalhes necessários para que qualquer associado possa verificar a aplicação dos fundos.
CW: Qual é o processo para se tornar associado do LACNIC?
Ernesto Majó: A conformação da associação tem vínculo direto com a atribuição dos endereços IP, dos recursos. Toda organização que recebe endereços de nós, ou através do NIC Brasil, NIC México, se transforma em associado e paga pelo uso desses endereços uma anuidade. Essa anuidade é que permite alimentar o sistema e manter os serviços operacionais. Tem um custo definido aprovado pela assembleia de associados. Existem diferentes categorias, não são infinitas, são 7 ou 8 categorias diferentes.